Tudo começou na minha ultrassonografia de terceiro mês (que na realidade eu fiz um pouco antes, 11 semanas e 2 dias, algo que não recomendo, pois, quanto menor o feto, mais difícil de ver os detalhes e a chance de aparecer algo errado aumenta, só depois eu fiquei sabendo desse detalhe), eu estava em êxtase, fui fazer a ultra pensando que veria meu bebezinho (ainda não sabia que era uma menina), ouviria seu coração batendo e sairia de lá explodindo de felicidade, com mais um DVD gravado para mostrar para a família.

Toda a minha animação foi substituída por choque quando o médico me disse que meu bebê tinha probabilidade de nascer com problemas. Ele me disse que voltaria em alguns minutos com dados escritos para me mostrar o que estava acontecendo. Quando voltou com os papeis na mão, me apontava os números e as porcentagens, dizia que aqueles eram resultados de pesquisas da maior universidade do mundo e que apenas 1% dos bebês que mostravam aquela alteração nasciam “normais”.

Naquele momento eu não conseguia mais pensar, eu era um vazio, o meu redor era eco e dentro de mim uma angustia que só crescia. Eu lembro que só queria chegar em casa para chorar, eu era apenas um corpo saindo daquele centro médico, deixava para trás todas as minhas alegrias, sonhos, expectativas e também a minha alma. Eu não lembro como foi o meu caminho de volta pra casa, só lembro de ligar para meus pais e pedir para que fossem a minha casa imediatamente. Depois disso eu era só lágrimas.

Pensava que não podia ficar tão nervosa por causa do bebê, mas ao mesmo tempo eu não conseguia me controlar. A minha tristeza era inconsolável. Os cenários mais sombrios invadiam minha mente e eu só conseguia pensar negativamente. Quem me conhece sabe que eu sou uma pessoa super pra cima, eu conto nos dedos as pessoas que já me viram triste, mas aquele dia foi o pior dia da minha vida até hoje.

Quem recebe um diagnóstico desses sabe do que estou falando, por mais que você seja uma pessoa tranquila, por mais que você seja uma pessoa evoluída e preparada para tudo na vida, não tem como sair ileso. Em primeiro lugar você não sabe ao certo o que estar por vir: que tipo de problemas a criança terá? Será que vai conseguir fazer o básico? Vai precisar de mim para tudo? E quando eu morrer? Será que eu irei vê-la morrer? Como as pessoas irão tratá-la? Como poderei superar preconceitos? Quão dura será essa batalha? Será que eu aguento? Fui tomada por uma série de questionamentos.

Em segundo lugar é algo que está para acontecer com seu filho, aquele serzinho que você tanto sonhou (pelo menos no meu caso), com quem você já tem uma ligação mesmo sem conhecer. Se fosse algo para acontecer com você seria “mais fácil” de aceitar, mas não, será com o seu bem mais precioso, será com um ser totalmente indefeso.

Eu estava sem chão, ainda mais porque iríamos nos mudar de país! Já pensou? Ter uma criança especial sem apoio nenhum da família? Sendo mãe de primeira viagem? Eu entrei em colapso e, pra piorar, só poderia ter certeza do que estava acontecendo depois que eu falasse com o especialista. Quando finalmente consegui uma consulta com ele (Dr. Heron, um anjo vindo dos céus) tive que esperar mais de uma semana até encontrá-lo. Imaginem vocês o que era a minha cabeça nesse meio tempo?

Nessa semana eu fui do fundo do poço à uma quase superação, tive forças para parar de chorar e agir, buscar uma certa tranquilidade, algo que foi muito importante pra mim, porque eu estava grávida e queria me sentir bem para o bebê também ficar bem.

Cheguei ao fundo do poço quando comecei a procurar na internet o que poderia acontecer. Foi trágico, li as coisas mais terríveis que só fizeram piorar ainda mais meus sentimentos. Quando você pesquisa na internet pode ter certeza que o que é mais negativo irá aparecer primeiro.

Eu sei que você que está passando por isso agora irá fazer isso, é praticamente inevitável, mas tente não se abalar (outra coisa praticamente impossível), o que está ali não é a verdade universal.

Eu escrevo isso agora porque estou isenta de desespero, então é mais fácil, porém, na época,  foi nesse estágio que me vi pensando em um aborto. Não é nada fácil você aceitar a pensar nisso quando passou a vida sendo contra e dizendo que nunca faria. Na realidade eu só queria falar sobre, não queria que fosse algo indiscutível, simplesmente porque eu não estava sozinha naquela situação, eu tinha que abordar o assunto com meu marido pois essa não era uma decisão só minha (pelo menos em nossas vidas sempre tomamos decisões juntos).

Eu levei um tempo para conseguir falar disso com ele, porque eu não conseguia nem pronunciar a palavra, acho que tinha medo que se tornasse real, mas mais medo ainda de ignorar a possibilidade e no futuro aquilo ser a causa de um problema, de um assunto não esclarecido. Eu tinha que sentir que estávamos na mesma sintonia e por isso era necessário conversar. Foi a melhor coisa que eu fiz, tivemos uma conversa sincera e nos apoiamos, optamos por seguir em frente com a gravidez. Também tive muito apoio dos meus pais, pessoas abençoadas e de luz que me encheram de força, esperança e amor. Tornaram todo aquele sofrimento um pouco mais suportável.

Conversei com uma amiga que já havia abortado e aquela conversa foi crucial pra mim. Quando ela precisou fazer o aborto, aos 16 anos, já éramos amigas e eu tinha a mesma idade dela, fui totalmente insensível. Precisei passar pelo o que passei para entender o tamanho do sofrimento, que não tenho o direito de julgar ninguém. Fiz questão de me desculpar com ela, porque para alguém tomar uma decisão dessas (pelo menos a maioria), tem que estar muito sem saída, não é nada fácil.

Quando uma mãe está desesperada, confusa, sem conseguir discernir direito, o que mais precisa é alguém que a ajude a pensar com clareza, com tranquilidade, sem julgamentos, muitas vezes só precisa organizar os pensamentos para achar uma saída, só precisa de uma simples conversa honesta. Enfim, passada essa etapa me peguei pensando sobre esse sentimento de negação e medo.

Nós mães entramos em choque porque sempre sonhamos com filhos saudáveis, os imaginamos alcançando grandes objetivos, super felizes, e, normalmente nem paramos para pensar que o básico como crescer, ver, andar, brincar, falar, sentir, aprender, pode não acontecer. É um baita soco no estômago você aprender a lidar com essa ideia.

Depois de vasculhar a internet por dias, muitas vezes ler até relatórios médicos e estudos científicos (sim, eu fiz isso), eu me dei conta que nada que estava ali iria mudar o meu destino e que cada caso é único, nada adiantaria. A única coisa que eu podia mudar era a mim, o que eu poderia fazer para receber uma criança especial, como era ser mãe de uma criança com necessidades especiais? Então, eu percebi que precisava mudar o foco da minha pesquisa, fiz isso e mais uma vez consegui acalmar um pouco mais meu coração.

Na época minha tia também me falou algo que ficou na minha cabeça; mesmo quando damos a luz a uma criança saudável, não podemos garantir que ela será assim pra sempre. Acidentes acontecem, doenças, somos mortais, ninguém é inatingível. Sendo assim, precisamos focar no que é mais importante: o amor! Nós mães sabemos bem o significado disso, porque amamos nossos filhos independente de quem sejam, são parte de nós.

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Algo que me ajudou a passar por esse momento foi a minha fé, pedia muito por equilíbrio e força, porém isso é muito pessoal. De qualquer forma acho importante citar, porque fez parte da minha história e como estou a narrando para vocês preciso ser honesta em todos os sentidos.

Com 25 semanas de gravidez “confirmamos” que Aurora era um bebê saudável (na realidade só o nascimento pode confirmar, mas aquilo já era uma baita garantia). Meu coração de mãe respirou aliviado apesar de já ter me “preparado” para as possíveis dificuldades, sei que não posso controlar a vida e seus ensinamentos, mas naquele momento, pela primeira vez, eu podia chorar de alegria, pela primeira vez, meu coração de mãe não tinha mais uma angústia sobre o incerto (que nós, humanos, insistimos em pensar que temos algum controle), mas naquele momento, pude sentir uma certa paz e curtir com mais leveza o que me restava da gravidez.

Espero que este texto possa trazer alguma luz para você que esteja passando por algo parecido agora. Escrevi pra você exclusivamente, compartilho todo meu carinho, toda minha compaixão e toda a minha força para que possa enfrentar a situação com o que você puder dar de melhor agora.

Um comentário em “Sofrimento seguido do aprendizado

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