Eu tenho um blog com mais de 150 mil seguidores cujo tema principal é falar sobre maternidade com um toque (ou empurrão mesmo) de humor.
Minha intenção sempre foi trazer leveza às mulheres que são diariamente cobradas para serem excepcionais em todas suas facetas: como profissionais, amigas, donas de casa, esposas e mães.
Isso me incomoda. Muito!
Essa realidade desumana e inalcançável é uma forma de perpetuar a desigualdade em que vivemos nesta sociedade. Mulheres são as mais cobradas e as mais desacreditadas. Quão justo é isso?
A imagem da mulher como inferior ao homem é antiquada, porém ainda somos assombrados pelo machismo nas entrelinhas, assim como, muitas vezes, vemos cenas em plena luz do dia e até estampadas em capas de jornais: Casos e mais casos de violência doméstica e feminicídios. Somos obrigadas a ouvir que “acontece”, “foi fatalidade”, “descontrole”, como um tipo de violência que sofremos ao sermos assaltadas na rua, por exemplo.
Mulheres são alvos constantes, ameaçadas, espancadas e assassinadas por companheiros, em nome de “honra”. São mantidas como reféns em relacionamentos abusivos, são sexualmente abusadas, estupradas e correm um risco muito maior do que apenas perderem um celular na rua. Culpam o desequilíbrio emocional momentâneo, “sabe como homem é impulsivo, né?” Culpam a bebida, o comportamento da mulher, suas roupas, mas no fundo, o real motivo é que a sociedade acredita na superioridade masculina.
Precisamos aprender identificar a origem do problema para o atacarmos de frente e a origem dessa violência contra a mulher é facilmente reconhecida, difere-se das outras (que também precisam ser combatidas). Esta agressão à mulher está ligada a falsa sensação de domínio que homens possuem, por considerarem mulheres, em muitos casos, posse, por acreditarem que eles estão no comando. É um mix de desejo por poder + desrespeito. Por isso a luta pela igualdade é vital, precisamos mostrar que estamos no mesmo patamar.
Qual a relação entre maternidade e feminismo?
Porque além de mulheres, somos mães (não que seja uma regra) e temos a responsabilidade de educar a futura geração usando nossa vivência como exemplo (obviamente que pais também têm a mesma responsabilidade em educar, contudo, mulheres podem se expressar melhor, pois são afetadas diretamente)
Não adianta generalizar dizendo: “Temos que educar nossos filhos apenas para respeitarem o próximo”, não é suficiente! A desigualdade e o desrespeito já existem e estão em vigor desde sempre, entranhados em nossa cultura. Se o mal não for exposto de forma clara, se não for dissecado até a raiz, apontando-se os absurdos, estaremos fazendo apenas metade do trabalho.
Adiantaria se a gente simplesmente deixasse de falar sobre o holocausto, a escravidão, o apartheid para que tudo fosse esquecido ? Recomeçarmos do zero com o lema “somos todos iguais”? Não!
Se lembrando a coisa já é má interpretada por alguns…Vocês acreditam que essa semana brasileiros contestaram a existencia do holocausto e ainda queriam dar aula sobre o nazismo para os Alemães ? Pois é, imagina se a gente deixa esse assunto de lado?
São histórias que precisam ser lembradas e relembradas com exaustão, passadas adiante como mau exemplos para que todos nós possamos manter a memória fresca, para que sintamos vergonha.
Não é atoa que na Alemanha eles mantêm um campo de concentração aberto como museu para visitação. É por isso também, que existem filmes e documentários sobre esses acontecimentos. Precisamos reconhecer os erros e não permitir a perpetuação deles.
Quando vejo homens e mulheres incentivando a incredulidade respectiva ao machismo, é uma forma de perpetuar o erro. A situação é crítica.
No Brasil, segundo uma pesquisa da DATAFOLHA, 500 mulheres são agredidas fisicamente por hora*. Aqui na Inglaterra, uma das duas ONGs que recebem e prestam suporte a mulheres latinas, LAWA (Latin American Women Aid), recebe por volta de 800 mulheres latinas por ano, sendo 400 buscando apoio por terem sofrido violência doméstica.
Isso são dados concretos, não tem como discutir com números. Precisamos de coragem para mudar esse cenário, ficar atentos aos detalhes: uma piada, uma ameaça, um empurrão! Mulheres não devem permitir nenhum tipo de ridicularização e homens também precisam se manifestar quando presenciarem cenas do século retrasado.
Eu, como mulher e mãe, preciso contribuir para apressar esses passos de formiga que a mudança anda dando. Minha meta é que a próxima geração não sofra nenhuma sequela dessa desigualdade.
Quando toco neste assunto no blog é polêmica na certa. As críticas são muitas, e pior, vindas de mulheres.
Uma vez postei a foto de um livro infantil para meninos (pasmem: atual) que continha piadas extremamente machistas. O conteúdo era abominável, inferiorizava nossa inteligência apenas usando gênero como argumento, resumia nossas ambições a encontrar um marido, entre outros absurdos do tipo (imagens do livro abaixo. Inclusive já foi tirado de circulação).
Tudo errado! Livro focado para um público que está em formação (crianças!) e que além de incentivar o bullying, trata as mulheres com desrespeito. Havia também uma versão para meninas (com piadas contra meninos), o que é outra proposta totalmente descabida, mas o teor das piadas voltadas para meninas mostra como o machismo é real e está presente em nossas vidas e pior, muitas vezes mascarado como piada, como “nada demais”. Uma das seguidores me disse: “Isso não afeta a mim nem às minhas filhas”
Inocência ou ignorância?
Vocês não acham que essa repetição continua, seja por forma de conversa ou piada, não influencia nossas crianças ? Quem é mãe e pai sabe do que estou falando: crianças são esponjas: Absorvem o que falamos, como agimos e reproduzem exatamente da mesma forma.
Continuaremos alimentando uma sociedade que julga a mulher da forma que achar certo, seguindo o padrão “seja menos”, distribuindo apelidos pejorativos, contribuindo para a objetivação e inferiorização?
Nossas filhas são sim afetadas, são educadas a não sairem sozinhas à noite, a não viajarem sem companhia masculina. Ouvimos constantemente que não servem para profissões que envolvem ciências e números, que isso é trabalho de “homem”. Que não podem jogar futebol, não é feminino! Que para a felicidade completa precisam casar, se tornarem mães, cuidar dos seus maridos. Tudo como um padrão. Quantas oportunidades elas perderão por isso? E se não se sentirem completas da forma estipulada? E se enfrentarem o mundo de frente, quais as consequências?
Os meninos também são afetados, afinal, quem é feliz quando acha que é superior ao outro? Que precisa ser responsável por tudo ? Que não pode brincar de cozinhar, nem ter um carrinho pra empurrar um bebê porque é coisa de menina? Que precisa usar uma máscara 24h para não expressar suas emoções porque, senão, é considerado afeminado, e por isso, fraco. Que não sabe lidar com uma rejeição, com um não? Que precisa bater para demonstrar quem manda. Nada disso é saudável!
Espero que esse texto gere, no mínimo, reflexão para quem não concorde e que isso reflita em mudanças significativas. A mudança parte do indivíduo para o todo. Que possamos visualizar um presente onde as mulheres sejam tão respeitadas como os homens e um futuro equilibrado para nossos filhos viverem em paz uns com os outros.
*Referencias: Jornal O Globo: https://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/mais-de-500-mulheres-sao-vitimas-de-agressao-fisica-a-cada-hora-no-brasil-aponta-datafolha.ghtml
LAWA :www.lawadv.org.uk